Primitivismo


Muito se escreveu sobre a magnitude do chamado primitivismo para a inspiração da arte moderna. Diferentes teorias tentam explicar o porquê de determinadas atitudes estéticas europeias na virada dos séculos xix para o xx implícita ou explicitamente passaram a se voltar para formas que se opunham ao processo de industrialização e urbanização da sociedade burguesa e capitalista. O chamado primitivismo apareceria então, justamente como uma reação aos processos de mecanização, ultra elaboração e busca pela excelência do belo transcendente – projeto esse que vinha aparecendo como um desdobramento das artes renascentistas, românticas e acadêmicas em geral.  O termo primitivo tem certamente o sentido de  original, primevo (“primaveril”, quando associado à infância e à simplicidade), inicial, ancestral, antigo. Durante o século xix, ocorreu o grande embate que toraria a antropologia uma ciência, o embate entre teorias evolucionistas e difusionistas. Num dos fundamentos desta disputa, os evolucionistas utilizavam uma terminologia que justificou o colonialismo africano e asiático, por exemplo, com o uso do termo “povos primitivos”. Estes seriam, segundo os evolucionistas, povos cujas práticas culturais seriam antecessores, formas inacabadas, formas primitivas da civilização. Essas teses foram uma a uma refutadas por conterem em seu cerne o etnocentrismo e o eurocentrismo que opunha os povos não-europeus e os europeus, classificando-os e colocando os europeus no topo da civilização e na base, povos caçadores coletores, por exemplo, por isso mesmo associados a “tribos primitivas”.

No campo artístico do início, quando foram utilizadas características formais que remetiam aos grupos não europeus, esses termos como “primitivo”, “tribal” eram de uso comum e generalizado. No entanto, os artistas que logo se dispuseram a tomar de empréstimo seja parte das formas artísticas de povos não-europeus ou ainda criar hipóteses e novas propostas estéticas baseadas em suas noções do que seria essa “volta às raízes primais” não se interessaram por antropologia, por processos coloniais, pela autodeterminação dos povos etc. – tratava-se apenas de uma valorização única e exclusivamente formal da experiência não-europeia que viria bem a calhar aos interesses técnicos localizados destes artistas europeus. Pode-se falar portanto, menos numa influência direta e irrestrita do que numa conformação e convergência de interesses. Assim, a busca por uma expressão artística pura, direta e relacionada amplamente à vida em seu sentido mais primal (componentes e decomponentes geométricos contidos no suprassumo da natureza) se tornou um dos aspectos distintivos da arte moderna.

Antes disso o termo primitivo era utilizado de uma forma totalmente avessa e identificado por exemplo, naqueles pintores da alta-renascença que buscavam o “naturalismo” ou a imitação perfeita da natureza. Padrões de pureza e de simplicidade também eram buscados pelos pré-rafaelitas ingleses em meados do séc. XIX que combatiam o artificialismo da arte acadêmica. Inclui-se assim, dentro deste mesmo campo semântico ambíguo a arte daqueles artistas autodidatas sem conhecimento teórico, mas que penetram os grandes centros da arte moderna e contemporânea.

Além desses distintos usos para o termo “primitivismo”, este termo precedeu o uso moderno desta terminologia os trabalhos dos impressionistas, especialmente quando estes buscaram nas gravuras japonesas com suas elaborações urbanas ou a formação de cenas de entretenimento alguns motivos e técnicas para embasar algumas de suas obras. Tanto para Claude Monet (1840-1926), quanto para Van Gogh (1853-1890) a experiência não ocidental com o ukiyo-e japonês, por exemplo, foi decisiva no desenvolvimento de suas proposições artísticas.

Henry Rousseau (1844-1910), Paul Gauguin (1848-1903), Paul Klee (1879-1940), Matisse (1869-1954), Joan Miró (1893-1983) Modigliani (1884-1920), Picasso (1881-1973), Jacques Lipchitz  (1891-1973) entre outros artistas a seu próprio modo fizeram uma revolução artística com maior ou menor intensidade utilizando-se de elementos primitivistas, seja imbuídos de contextos africanos, indígenas, de povos das Ilhas do Pacífico ou das civilizações pré-colombianas, entre outras civilizações consideradas até certo ponto, então, “primitivas”. Os grandes nomes brasileiros ligados à essa mesma perspectiva além dos modernistas clássicos como Tarsila do Amaral (1886-1973), e Alfredo Volpi (1896-1988), podemos incluir Vicente do Rego Monteiro (18991970) Djanira (1914-1979) entre outros.

Fontes de pesquisa:

ARTE Primitiva. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3183/arte-primitiva>. Acesso em: 03 de Mai. 2017.

HARRISON, C.; FRASCINA, F.; PERRY, G. Primitivismo, Cubismo, Abstração. Começo do século XX. Tradução Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac & Naify, 1998.