Surrealismo



Geralmente associa-se as formulações estilísticas surrealistas à leitura de Freud quanto às noções de inconsciente. Na verdade, as reações contra o mundo estrategista da eficácia, da produção seriada,  do racionalismo tecnocrático, do produtivismo pelo produtivismo, e da razão instrumental sem finalidade humana que pavimentaram o surgimento da sociedade de consumo encontrou no surrealismo e em sua vertente mais radical, no dadaísmo, as suas mais vigorosas respostas críticas em formas artísticas. A discussão outra sobre se o surrealismo é produto ou reação ao seu meio urbano resultou nas contraposições lógicas seguintes: Se modernismo, urbanismo, logo surrealismo; ou, se surrealismo, urbanismo logo, modernismo. Mas essas conclusões referem-se tão somente à forte ligação desse movimento artístico com a época em que ele surgiu, a época do estabelecimento definitivo do moderno e do urbano.

Geralmente indicados como os maiores expoentes do movimento surrealista, os jovens Marc Chagall (1887-1985), Jean Cocteau (1889-1963), Max Ernst (1891-1976), André Breton (1896-1966), René Magritte (1898-1967), e Salvador Dalí (1904-1989), esses tinham, respectivamente, 30,  28, 26, 21, 19 e 13 anos quando Guillaume de Appolinaire (1880-1918) cunhou, aos 37 anos, o conceito de “Surrealismo”. Appolinaire utilizou este termo ao escrever o prólogo para a sua peça teatral “As Mamas de Tirésias” (Les Mamelles de Tirésias), obra surrealista de 1917, mas que fora escrita por ele em sua maior parte quando Salvador Dali tinha apenas um ano de idade e a “Interpretação do Sonho” (1900), de Freud, vista como a obra teórica de influência inaugural do movimento tinha aparecido há apenas três anos.

O que estava lançado a partir de “Interpretação do Sonho” era que a realidade é muito maior que a vida consciente, e por isso, maior também que a racionalidade e suas limitações poderiam abarcar ou satisfazer a percepção e o espírito humanos. Tanto o mundo dos sonhos, quanto o próprio mundo inconsciente poderiam, segundo Freud, revelar realidades “escondidas”. Na arte acadêmica a primazia da realidade e do natural  conduziu as escolas ao ideal da racionalidade pura e da representação do heroico no homem e de sua superdignificação de uma civilização sobre outras, ou a superhunaização de uma “raça”, entre outras fantasias mais ou menos perigosas. Uma série de catástrofes impediram que a visão do racionalismo se perpetuasse na Europa, sem conseguir se universalizar: Após a derrocada do iluminismo manifestada pelos resultados negativos da Revolução Francesa, pelo projeto incompleto da “Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos” de 1789, pelo pouco alcance prático das “Barricadas de Paris” (1830) que redundou no fracasso da Revolução de 1848 e culminando, para piorar, no imperialismo napoleônico e no 18 de Brumário, outro dos múltiplos golpes modernos ao projeto humanista e da “Primavera dos Povos”, pelo fuzilamento dos últimos communards nas paredes do Pére Lachaise,  além da ocorrência da I Guerra Mundial, aonde a tecnocracia a serviço da morte pôde, pela primeira vez, demonstrar a que veio ao mundo, e por fim, a derradeira batalha final perdida para o fascismo-franquista, com a vitória de Francisco Franco na Revolução Espanhola (1936-39). Esse mundo “racionalista” europeu teria de ser ampla e vigorosamente questionado. Alguns artistas foram buscar suas inspirações nos povos não-europeus e em suas manifestações artísticas e sociais, outros, como os supracitados, buscaram no sonho, no imperativo da imaginação sobre a razão, no “irracionalismo”, escrita automática, antinormativa, na ruptura com o discurso “lógico” do tempo-espaço – enfim, era uma expressão artística e uma teoria da percepção tornada arte.

Enquanto que o surnaturalismo japonês se apoiava nas representações mais próximas da natureza, a rejeição da mimese, da imitação do natural e declaração de guerra contra a normalidade... foram a marca essencial do surrealismo, desde as propostas artísticas de Appolinaire e o movimento chefiado por André Breton sintetizado em seu Manifesto Surrealista, aonde ele propôs fazer “a síntese entre o amor, a revolução, a loucura e o sonho”. Surrealismo para ele, na altura de 1924 seria o: automatismo psíquico puro pelo qual se propõe exprimir, seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, na ausência de todo controle exercido pela razão, fora de toda preocupação estética ou moral.

No Brasil, lembremos de nomes como Ismael Nery (1900-1934), um típico brasileiro que também tinha ascendência negra, holandesa e indígena. Foi amigo do pintor surrealista russo radicado na França, Marc Chagall (1887-1985), um dos primeiros pintores surrealistas por Nery quem foi decisivamente influenciado, Cícero Dias (1907-2003) pernambucano que teve a glória biográfica de ser perseguido pelo Estado Novo (1937) e de ser preso pelo Nazismo, na Europa, em 1942, junto com Guimarães Rosa e outros diplomatas brasileiros; e ainda a glória de produzir pelo movimento regionalista recifense de 1926, obras de cunhos oníricos com evocação do inconsciente, deixando-o na vanguarda do movimento modernista nordestino. Tarsila do Amaral (1886-1973) da fase “antropofágica” da década de 20, desde “As Margaridas de Mário de Andrade” até “Sol Poente”, o Painel “Antropofagia” (1929) e a composição “Figura Só” de 1930. E o pintor negro Octávio Araújo (1926-2015), que teve acesso às vanguardas Russas quando vai estudar em Leningrado em 1960.

Fontes de pesquisa:

Anuário Brasileiro de Artes Plásticas – Consulte. Vol. 7. Roma Internacional, 2008.p.18

SWEARINGEN, James & CUTTING-GRAY, Joanne Extreme (Eds.). Beauty: Aesthetics, Politics, Dearth. New York; London: Continuum, 2002. p. 20

Páginas da internet:

http://www.culturabrasil.org/zip/breton.pdf