Academia Imperial de Belas Artes



A independência do Brasil, em 1822, assinalou importantes transformações na produção artística, configurando uma nova estética e uma imagem oficial para a jovem nação. Uma das instituições que assumiram um papel de destaque nesse processo foi a Academia Imperial de Belas Artes (AIBA), e foi nela que surgiu um novo lugar social para os artistas de ascendência negra. Inaugurada oficialmente em 1826, dez anos após sua idealização no contexto da chegada da Missão Francesa ao Brasil, a Academia só passou a funcionar de forma mais regular a partir da década de 1840, quando o Imperador D. Pedro II ampliou os auxílios financeiros à escola. Ela tinha o objetivo de proporcionar uma formação artística tão abrangente quanto aquela obtida na Europa, oferecendo disciplinas específicas que contemplavam várias especialidades nas áreas do desenho, da pintura, da escultura e da arquitetura.

Os prêmios e as viagens ao exterior

Por meio das Exposições Nacionais de Belas Artes, realizadas anualmente a partir de 1840, a Academia Imperial de Belas Artes avaliava a produção de seus alunos e dos demais artistas da corte e reconhecia seu mérito artístico através de medalhas e prêmios. Entre essas distinções, a mais cobiçada era o prêmio de viagem ao exterior, oferecido sem periodicidade regular, que financiava os estudos do vencedor fora do Brasil – na Europa, entenda-se, nas Academias de Belas Artes da França e da Itália. Além desse prêmio oficial da Academia, o próprio Imperador subvencionava a viagem de alguns artistas através de um fundo particular conhecido como o "imperial bolsinho", cujos critérios de seleção eram menos transparentes. Numa época em que a circulação de obras era restrita e não havia outras técnicas além da cópia manual para reproduzir telas clássicas, a viagem era vista como uma condição necessária para o aperfeiçoamento do artista de acordo com os cânones europeus, facilitando seu acesso posterior a cargos no magistério e encomendas oficiais.

Poucos artistas negros conquistaram o prêmio de viagem da Academia. Houve as exceções tardias de Rafael Frederico (em 1893, já no período republicano) e de Arthur Timótheo da Costa (que só obteve o prêmio em 1907 após a desistência de Eduardo Bevilacqua, o primeiro colocado), além de outros pintores que obtiveram financiamento de fontes alternativas, como Firmino Monteiro e Horácio Hora.

Recrutamento social

Essa escassez de prêmios de viagem concedidos aos alunos negros poderia nos levar a crer que a AIBA fosse um ambiente extremamente elitizado. No entanto, numa sociedade majoritariamente rural como o Brasil da época, em que os filhos das famílias abastadas eram atraídos para carreiras práticas, a maioria dos alunos da instituição tinha origens relativamente humildes. Eram filhos de artesãos, de pequenos comerciantes e até de ex-escravos, sendo que muitos exerciam outras profissões durante o dia e procuravam na Academia maior qualificação como artífices. Instituições como o Liceu de Artes e Ofícios ou a Casa da Moeda notabilizaram-se por enviar seus aprendizes para se aperfeiçoarem na Academia, como é o caso dos irmãos Timótheo da Costa. A trajetória dos alunos normalmente envolvia a intervenção de um ou mais patronos que atestassem suas habilidades artísticas e financiassem seus estudos, custeando uma possível viagem ao Rio de Janeiro, o sustento pessoal do jovem na corte e também a matrícula, que só se tornou gratuita a partir de 1859.

Esse sistema de patronagem explica, em grande medida, o acesso de alunos pobres à AIBA. Sua presença não significa, porém, que a Academia tenha se mantido isenta de barreiras sociais e do racismo predominante na sociedade brasileira. As dificuldades existentes para o sucesso dos artistas negros no interior da instituição, quer oriundas do preconceito racial, quer advindas de condições materiais mais precárias, levou muitos a se ocuparem de trabalhos que, se comparados com as grandes encomendas oficiais do Império, eram menos prestigiados, a exemplo dos retratos das elites locais, das decorações de interiores e da produção artística para a imprensa.

Ainda assim, é preciso considerar o novo estatuto social que a Academia deu à figura do artista. Na sociedade colonial, a produção pictórica e escultórica era encarada como um ofício manual desprestigiado, frequentemente relegado a escravos e a seus descendentes. A partir do século XIX, ao contrário, ela começou a figurar como ocupação intelectual, vinculada a uma cultura erudita tida como ideal de civilização. Essa nova dignidade conferida aos artistas negros egressos da Academia, em uma sociedade ainda fortemente estratificada do ponto de vista racial, ajuda a explicar a fidelidade de muitos deles aos modelos da arte acadêmica mesmo após as severas crises que a instituição sofreu nos anos 1880, ainda no período imperial, e após 1889, já sob a denominação republicana de Escola Nacional de Belas Artes (para distingui-la da antiga denominação de Academia Imperial de Belas Artes).

Outras instituições de formação artística

Por mais que a Academia tenha de fato centralizado a produção artística oficial do período, não se deve minimizar a importância de outros espaços institucionais alternativos, como o Liceu de Artes e Ofícios, que começou a funcionar em 1856 no Rio de Janeiro e posteriormente em outras regiões. Era mantido por uma sociedade civil privada, mas parte substantiva de seu orçamento provinha de doações de políticos do Império e de inconstantes dotações governamentais. Seu objetivo era fornecer o ensino de artes com um viés mais profissional, aplicado aos ofícios e às nascentes atividades industriais, mas as dificuldades financeiras para a implantação de oficinas o levou a se concentrar no ensino das Belas Artes. Isso ocasionou uma espécie de sobreposição com os objetivos da Academia, agravada pelo fato de haver também um intercâmbio de profissionais entre as instituições: professores e antigos alunos da Academia frequentemente lecionavam no Liceu como forma de complementar sua renda. Daí a emergência dessas escolas técnicas como um espaço alternativo, menos oficial, para o exercício das Belas Artes no período.

Os negros na arte acadêmica

As rígidas convenções estéticas da arte acadêmica forneceram os limites dentro dos quais os artistas negros puderam se expressar. O neoclassicismo francês foi apropriado pelo Império com o intuito de elaborar uma representação do Brasil como país tropical plenamente inserida no "concerto das nações" e no progresso da civilização ocidental. O projeto nacionalista oficial valorizava, como traços distintivos da nação, a paisagem tropical e os "nobres" indígenas – idealizados, retratados à maneira europeia, e sempre restritos a um passado quase mítico –, ao mesmo tempo em que silenciava sobre a "mancha abominável" constituída pela escravidão e pela maciça presença negra no Brasil.

Some-se a isso a influência crescente do racismo científico, que representava as populações negras como menos evoluídas, e não é difícil compreender a relativa ausência do negro enquanto tema de representação pictórica na pintura acadêmica do século XIX. Num contexto cultural em que o belo era sinônimo de branco, seria surpreendente – e até mesmo escandalosa – a presença do negro na produção de uma instituição dedicada primordialmente ao cultivo das Belas Artes. É sintomática a proposta feita em 1839 por João Mafra, membro da Academia, de que se importassem europeus para servirem de modelos-vivos, visto que os negros que habitualmente ofereciam seus corpos em troca de parca remuneração não seriam belos o bastante segundo seu julgamento calcado na cultura racista da época. O único período em que os negros figuraram como um tema de representação importante na arte acadêmica foi a década de 1880, no contexto do abolicionismo; ainda assim, de forma geral, assumiram aí uma posição ainda passiva e subalterna.

Diante disso, parece despropositado exigir dos artistas negros da época que tivessem valorizado sua negritude ou buscado inspiração em modelos artísticos africanos. Mais coerente com as linguagens estéticas do período é apreciar as maneiras pelas quais eles se expressaram dentro das limitadas possibilidades oferecidas pelos paradigmas artísticos vigentes. Na época, a inovação em gêneros tidos como "menores" em relação à prestigiada pintura histórica, tais como a paisagem ou a natureza-morta, adquiria um valor potencialmente contestador que pode parecer enganosamente tênue hoje, à luz da ruptura mais evidente da arte modernista posterior. O mesmo ocorre no caso de artistas que praticaram a pintura histórica a partir de um ponto de vista levemente alternativo, como Firmino Monteiro. O fato de que nenhum artista negro tenha se notabilizado no período como um mestre na pintura histórica é indicativo de que eles enfrentaram obstáculos para obter esse reconhecimento, ou de que simplesmente optaram por se expressar em gêneros considerados secundários. Não à toa, boa parte deles se vinculou, de alguma forma, ao chamado Grupo Grimm, que valorizava a pintura de paisagens ao ar livre e constituiu a primeira contestação institucional importante no seio da Academia. Em alguns casos é possível observar a representação de figuras negras em posição de destaque, como sujeitos ativos e plenos de humanidade. Evidentemente, isso representava um desafio ainda mais severo aos cânones vigentes.


Fontes de pesquisa:

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- MARQUES, Luiz. O Século XIX, o advento da Academia das belas Artes e o novo estatuto do artista negro. In: ARAÚJO, Emanoel (Org.). A Mão Afro-Brasileira: Significado da contribuição artística e histórica. 2ª ed. rev. e ampliada. São Paulo: Imprensa Oficial, 2010, p. 187-208.

- SCHWARCZ, Lilia Mortiz. “Um monarca nos trópicos”: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a Academia Imperial de Belas-Artes e o Colégio Pedro II. In: As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 125-57

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- ZILIO, Carlos. Formação do artista plástico no Brasil: o caso da Escola de Belas Artes. Arte & Ensaios: revista do mestrado em História da Arte, Rio de Janeiro: UFRJ, v. 1, n. 1, p. 25-32, jan.-jul. 1994, p. 25-32.