Agnaldo Manoel dos Santos - Comentários Críticos



Sua obra é preponderantemente antropomórfica, esculpida em madeira de ipê, jaqueira, pau d'arco e cedro, com temáticas relativas à maternidade, ao catolicismo e à religiosidade afro-brasileira. Se o crítico José Teixeira Leite ressaltou sua continuidade com a escultura africana, Clarival do Prado Valladares destacou suas múltiplas influências, afirmando que suas figuras:

"se aproximavam, de uma parte, dos arquétipos da cultura tribal africana, na medida em que estes encerram em si um simbolismo da fecundidade, do rito da morte e do rito agrário, e, de outra parte, dos protótipos da iconografia católica medieval, tais como se manifestam no Brasil através das obras dos santeiros do século XVII". Para o pesquisador, essa continuidade com a estética africana (especialmente da Nigéria, mas também de outras influências adquiridas de fotografias de peças e a partir da exposição das esculturas em madeira do Museu do Dundo, da Angola, que ele presenciou na Bahia em 1958) não representa de modo algum uma cópia ou uma imitação da escultura africana. “Agnaldo era senhor de meios expressionais de absoluta originalidade, ao lado de soluções técnicas que a princípio eram incidentais e incipientes e mais tarde se tornaram recursos de habilidade. A sua destreza em esculpir com a peça solta sobre a mesa ou no chão, por vezes fixando-a com os pés e trabalhando acocorado, era perfeitamente igual ao modo dos africanos, dos hindus e de vários outros povos que ele jamais assistiu.
 
(...) O fato de seus trabalhos lembrarem ídolos africanos, por atributos denotativos, não implica na afirmação de ser arte africana. A escultura de Agnaldo Manoel dos Santos é apenas escultura brasileira. Ocorre, todavia, de nossa parte, certa dificuldade em identifica-la como tal porque quase toda aquela que é feita aqui demanda do gosto e dos anseios alienígenas. Poucas vezes me permito indicar escultura brasileira genuína, inclusive sobre o acervo religioso, a não ser em determinados exemplos de artistas primitivos. Para ser brasileira tem que ser representativa das motivações místicas que formam a genuinidade do nosso e o tipo de cultura que expressa.

(...) O que muito impressiona no conjunto da obra de Agnaldo é a absoluta ausência de características barrocas que afetaram, praticamente, toda produção artística do meio brasileiro por mais de dois séculos. Clarival do Prado Valladares defende ainda que há três evidências que ligam a arte de Agnaldo Manoel dos Santos às artes africanas, ou especificamente, o seu sincretismo católico, com a iconografia africana (africanismo) entendidos pelo crítico como “miscigenação cultural”.

a) “A frequência do tema “maternidade” (figura da mulher amamentando, ou de filho ao colo, ou de mama proeminente) que em verdade é mais a simbologia da fecundidade, como fundamento magístico da arte tribal, que da sublimação católica. E sem dúvida conotativa à fecundidade (...)

b) A determinação nominal de seus títulos. Por exemplo, para uma figura de caçador, armado de espingarda, facão e protegido de chapéu senhorial, denominou Oxóssi (deus da caça).

c) Por fim, a mais definitiva evidência, na similitude de seus arquétipos com os da escultura africana. 

Clarival do Prado Valladares, 1918 – 1983, (Crítico de Arte) 
In: VALLADARES, Clarival do Prado. Agnaldo Manoel dos Santos: origem e revelação de um escultor primitivo. Afro-Ásia, n. 14, p. 22-39, 1983.

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“Como procedem muitos artistas da África tradicional, Agnaldo faz uso de um procedimento para escurecer a madeira por meio de substâncias naturais e acaba 
tornando-a brilhante, densa e sensual.

A atitude hierática é uma constante nas estatuetas africanas de diversas procedências étnicas: olhos que expressam serenidade e, por estarem fechados, evocam um mundo extra-sensorial. Do mesmo modo, a postura de algumas esculturas de Agnaldo dos Santos causam no observador a sensação de que a figura se encontra num outro plano que não o material.

Há também certas temáticas utilizadas por Agnaldo dos Santos que são muito comuns na estatuária tradicional africana, de uma maneira geral. Tomemos como exemplo disso a escultura desse artista brasileiro chamada "Figura com Criança" da coleção Ladir Biezus. Ela nos remete às chamadas maternidade ou figuras mãe-filho - uma figuração presente na arte de diversas sociedades africanas, seja da África Central (como dos bakongo), seja da África Ocidental (como dos ioruba).

Uma outra obra de Agnaldo dos Santos, nomeada "Figura" (coleção particular), também pode ser associada à estatuária dos bakongo de outro modo. Esta figura sentada do artista baiano tem as pernas quase cruzadas e os braços flexionados, o esquerdo encontrando o direito em 90 e 120 graus respectivamente. Embora maciça e pesada, expressa uma flexibilidade na livre disposição e nas formas lineares dos braços e das pernas dos ntadi. Os ntadi são esculturas funerárias de pedra dos bakongo inspiradas, certamente, num outro tipo de escultura, de madeira, vulgarmente chamada "O Pensador". Essas esculturas, por serem de pedra, foram tidas de muitos séculos atrás. Mais tarde verificou-se que se trata de uma produção recente, baseada provavelmente nas estátuas tumulares ocidentais.

As esculturas denominadas "Oxossi" (Coleção João Marino) e "Oxossi Caçador" (Museu de Arte Moderna da Bahia) de Agnaldo dos Santos, também compartilham de um tema bastante difundido da estatuária bantu da África central: como as figuras do herói mítico Tshibinda Ilunga, o ancestral civilizador dos batshokwe, essas esculturas ostentam um chapéu característico, uma espingarda, entre outros bastões de poder.”
(...) 
Agnaldo dos Santos teve contato com algumas obras de arte vindas do Museu do Dundo, de Angola, por ocasião dos Colóquios Luso-Brasileiros, realizados na Universidade da Bahia em 1959. Não há entre nós documentos sobre o assunto, mas isso é historiado por Valladares (1983). Portanto, o fato de algumas peças de Agnaldo dos Santos parecerem dialogar com a estatuária de povos bantu, como assinala Munanga (2000), pode ser explicado pelo contato que Agnaldo teve, nessa exposição, com obras dos bakongo e dos batshokwe.

Por outro lado, a estatuária de Agnaldo dos Santos se distancia da africana, por diversas razões. Como afirma Clarival do Prado Valadares, a obra de Agnaldo "não pode ser entendida como filiação a uma determinada estilística regional africana: Agnaldo era senhor de meios expressionistas de absoluta originalidade". Assim, Agnaldo é detentor de um estilo único e particular: ele não procura obedecer aos cânones estilísticos de alguma sociedade africana, mas cria um estilo seu. No máximo, poderíamos encontrar nele características estilísticas mescladas da escultura da África como um todo.
(...)
E, o que difere a arte de Agnaldo dos Santos da arte africana é o fato de que o artista africano parte do elemento mítico, social, cosmogônico e político para esculpir suas peças, uma vez que a arte, para os povos africanos, está a serviço dos ritos e do grupo social, desempenhando uma função ritual ou social, como os ritos de iniciação, de fertilidade, de entronização. Com relação à produção do artista brasileiro, a preocupação plástica parece preceder a função ritual ou social, mesmo que integre aspectos da religiosidade em sua obra - seja ela católica ou afro-brasileira.  

Tiago José Risi Leme (Bacharel em Letras)
(Disponível em: http://www.arteafricana.usp.br/codigos/reflexoes/002/agnaldo_manoel_dos_santos.html)
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Agnaldo Manoel dos Santos, escultor baiano de um talento excepcional e força criadora imensurável, morreu bastante jovem no momento em que atingia o climax, com apenas 36 anos, em 1962. Mesmo depois de morto, sua obra recebeu em 1966 o prêmio internacional de escultura no primeiro Festival de Arte e Cultura Negras de Dakar, Senegal, o que demonstra a alta qualidade de seu trabalho e a dimensão de seu talento. Suas pecas artísticas, na maioria, eram sobre o culto dos orixás, imagens e santos católicos (muitos deles eram mestiços), "carrancas" (esculturas de animais exóticos, mitológicos e lendários) de barcos que navegam no Rio São Francisco, na Bahia. Fez obras afro-brasileiras não só por ser ele de origem negra, mas também por ser membro participante e distinguido da religião dos orixás (ogã e Alabê). Também, a influência e estímulo recebidos de outros artistas e intelectuais, seus amigos, aliados ao seu talento, fizeram de Agnaldo o artista de valor inegável que ele representa dentro das artes plásticas contemporâneas. Entre estes seus amigos e incentivadores, citam-se: seu chefe e amigo o escultor Mário Cravo Júnior, o pintor Lênio Braga e o pesquisador Pierre Fatumbi Verger que através de seus livros de fotografias sobre a África - "Deuses da África" – deu lhe subsídios, coragem e força moral para começar com mais segurança, suas esculturas de orixás. Legou à posteridade uma soberba produção como resultado e influência dos aspectos religiosos de "candomblé" e contos populares. 

Agnaldo trabalhou em madeira e pedra-sabão, principalmente. Suas esculturas de Oxóssi, Xangô ou Iemanjá, valorizam coleções particulares e museus brasileiros. Oxóssi, por exemplo, dizem os "experts", é uma de suas mais famosas e importantes pecas da escultura religiosa afro-brasileira. 


Antônio Vieira da Silva (Universidade de Ifé) 

In: SILVA, A.V. da. Reflexos da Cultura Iorubá na Arte e nos Artistas Brasileiros. Afro-Ásia, no. 14 – 1983. [Disponível em:
 http://www.casadasafricas.org.br/img/upload/793161.pdf]
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Lélia Coelho Frota 1938-2010 (Antropóloga e Crítica de Arte) também destaca a presença de "sobrenaturais afro e também de imaginário transculturado com o do catolicismo". Assim como ela, Francisco Ramos Neto caracterizou Agnaldo como "original, espontâneo, numa palavra, absolutamente único". 

In: FROTA, L.C. Pequeno Dicionário da Arte do Povo Brasileiro Rio de Janeiro: Editora Aeroplano, 2005.